Meio Pão e Um Livro

 García Lorca

“Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou mesmo a uma festa de qualquer índole que seja, se a festa é de seu agrado, imediatamente lembra e lamenta que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. ‘Minha irmã e meu pai gostariam de estar aqui’, pensa, e não desfruta mais do espetáculo, a não ser através de uma leve melancolia. Esta é a melancolia que eu sinto, não pela gente de minha casa, o que seria pequeno e ruim, mas por todas as criaturas que por falta de meios e por desgraça não desfrutam do supremo bem da beleza que é vida e bondade, serenidade e paixão.

Por isso nunca tenho um livro, porque presenteio todos que compro,  que são numerosos, e por isso estou aqui honrado e contente em inaugurar esta biblioteca da cidadezinha, a primeira seguramente de toda a província de Granada.

Não só de pão vive o homem. Eu se tivesse fome e estivesse à míngua na rua não pediria um pão; pediria meio pão e um livro. E daqui eu ataco violentamente aos que somente falam de reivindicações econômicas sem jamais apontar as reivindicações culturais que é o que os povos pedem aos gritos. Bem está que todos os homens comam, porém que todos os homens saibam. Que desfrutem de todos os frutos do espírito humano porque o contrário seria convertê-los em máquinas a serviço do Estado, seria convertê-los em escravos de uma terrível organização social.

Eu tenho muito mais pena de um homem que quer saber e não pode, do que de um faminto. Porque um faminto pode acalmar sua fome facilmente com um pedaço de pão ou com umas frutas, porém um homem que tem ânsia de saber e não possui os meios, sofre uma terrível agonia porque são livros, livros, muitos livros o que necessita e onde estão estes livros?

Livros! Livros! Aqui está uma palavra mágica que equivale a dizer: ‘amor, amor’, e que deveriam pedir os povos como pedem pão ou como desejam a chuva para suas colheitas. Quando o insigne escritor russo Fedor Dostoievski, pai da revolução russa muito mais que Lênin, estava prisioneiro na Sibéria, afastado do mundo, entre quatro paredes e cercado por desoladas planícies de neve infinita; e pedia socorro em carta a sua família distante, somente dizia: ‘Envia-me livros, livros, muitos livros para que minha alma não morra!’. Tinha frio e não pedia fogo, tinha uma sede terrível e não pedia água: pedia livros, ou seja, horizontes, escadas para subir a montanha do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural, de um corpo por fome, sede ou frio, dura pouco, muito pouco, mas a agonia da alma insatisfeita dura a vida inteira.

Já disse o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que o lema da República deve ser: ‘Cultura’. Cultura porque somente através dela se pode resolver os problemas que hoje debate o povo, cheio de fé, porém carente de luz”.

Discurso do poeta Federico García Lorca, na inauguração da biblioteca de sua cidade natal, “Fuente Vaqueros”, em Granada, Espanha, em setembro de 1931.

* texto captado da internetOratório

Festival de Ostras

Segui rumo ao Festival de Ostras. O local do evento é o Alto Ribeirão, localidade onde já lecionei quando tinha vinte anos. Sim, faz muito tempo.  – Fica longe daqui, lá na “boca” do Reberão, um senhor me disse. Eu sabia onde ficava, só não lembrava o quanto era longe.

Perguntei sobre um táxi, mas fui informada de que o bairro tem só um “carro de praça” e que devia estar rodando. Resolvi sair andando à procura de um ponto de ônibus, pois apesar das nuvens, o mormaço estava pegando forte.

“Fui indo”, “fui indo”, distraída com a beleza das casinhas, da vegetação, e da quietude do mar. Nada do ônibus. Quando me dei tinha caminhado bem uns dois quilômetros ou mais. Finalmente o ônibus chegou. O cobrador disse: – É lá ó!

“Lá” é uma boa definição. Olhando da boca da rua o “circo” da festa ficava quase na linha do horizonte. Mas, como sou uma mulher valente (pelo menos para algumas coisas), segui, com meus passinhos miúdos. O bom é que cheguei zerada e pude me atracar com as ostras sem peso na consciência!

O salão estava quase vazio e os boxes sem filas. Peguei minhas ostras, meu chope, sentei-me calmamente e regalei-me! Deus estava inspirado quando inventou algumas coisas! Ostras, por exemplo. Comi, ouvi música da boa, descansei bastante. Enquanto isso as pessoas foram lotando o espaço. Pelo que vi, o Festival está sendo um sucesso!

Era hora de retornar para casa, mas antes eu tinha que terminar meu serviço. Ativismo literário em ação! Como quem não quer nada, como se diz, tirei um livro da sacola e o “perdi” sobre a cadeira. Câmera preparada, me dirigi ao lado oposto do salão para observar o que aconteceria. Imediatamente três adultos e uma criança acercaram-se da mesa. Enquanto o casal saía em direção aos boxes, a outra moça preparava-se para sentar quando avistou o livro. Imediatamente o pegou; nem olhou para os lados.  Minha alegria foi grande, pois ela não disfarçava o contentamento ao ler a etiqueta. Passou a folhear o livro, interessada.  Ela ria e eu também.  Quando o casal retornou  ela mostrou o que encontrara, fez um comentário, mostrou a página com a etiqueta e, glória suprema!, passou a ler um trecho. Todos riram! Foi de arrepiar. Melhor que ser indicada pra Academia Brasileira de Letras!

Empolgada, repeti a operação. Uma senhora ocupou a mesa, mas ao deparar-se com o livro, imediatamente o colocou sobre a mesa ao lado. Deve ter acreditado que alguém o esquecera de verdade ou, quem sabe, não aprecia a literatura. Paciência! Não pude  ver o desfecho; precisava encarar a segunda etapa da maratona.

Resumo do dia: sete horas depois, com os pés ardendo de tanto caminhar e de enfrentar três ônibus para ir e três para voltar, cheguei em casa cansada. Mas muito, muito  feliz!

Achei um livro!
Achei um livro!