O Natal do Menino

Revista O Cruzeiro edição de 1º de dezembro de 1959. *
Revista O Cruzeiro edição de 1º de dezembro de 1959 da minha coleção de revistas antigas *

Marcos Meira

Véspera de Natal. O menino ansioso. Sonha o presente. Olha pela janela. Céu sem estrela. O calor do verão. O silêncio da noite. Papai Noel voa? Pensa que sim. E vasculha o céu. Procura. De que lado ele vem? Não sabe do Sul. Não sabe do Norte. Sabe esperar. E aguardar cansa. O menino esfrega os olhos com as mãos. Difícil ficar acordado. A cabeça balança. Ele se esforça. Em vão. É vencido pelo sono. E o menino sonha… Segue num trenó vermelho. Grande, muito grande. Seis ou oito renas – não sabe contar. Há também um velhinho. Barbas brancas, muito brancas. Papai Noel! Vontade de gritar. O trenó segue rápido. O saco cheio de presentes. Vai dar tempo de entregar tudo? O menino olha a lista. Letras, muitas letras. Seu nome está ali? Ele não sabe ler. O trenó para. Papai Noel entra numa casa. Não demora a regressar. A viagem prossegue. Vontade de perguntar tanta coisa! Papai Noel responde? O menino fica com medo. Não quer atrapalhar. Outra casa… Mais outra… E o saco vai ficando vazio. Quase fim de noite. Resta apenas um presente. Será o meu? – o menino pergunta. Esperou o ano todo. O velhinho desce do trenó. E demora a voltar. Na verdade, não volta. O menino preocupado. O que aconteceu? As renas se assustam. O desequilíbrio. O menino cai. O vazio… A janela bate com o vento. O menino se acorda. Cadê o presente? Olha em volta. Procura. Casa pobre, muito pobre. Pequena. Quase sem tinta. Uma cama. Cinco pessoas dormem. Papai Noel existe. Não foi assim que ele viu na TV? O coraçãozinho do menino bate forte, muito forte – quase sai do peito. Volta à janela. Uma luz no céu. Então, não é sonho! É o trenó que brilha. O menino sorri. Quer chamar a mãe. Quer chamar os irmãozinhos. Todos dormem. Ele olha de novo. Céu nublado. Escuro. Breu. E o menino fecha a janela. Afasta o bracinho do irmão. Deita-se na cama. Fecha os olhos. Dorme. E não sonha mais.

*Marcos Meira é escritor, autor de Gurita e Desenho de Giz

http://soboceudebarreiros.blogspot.com

* De forma simbólica, um presente para o Menino…

Feliz Natal de 1956

Revista da Semana edição de 22 de Dezembro 1956. Da minha coleção de revistas antigas.
Revista da Semana edição de 22 de Dezembro 1956. Da minha coleção de revistas antigas.

Dezembro

Dezembro mês cantado por muitos e muitos poetas, chegou-nos êste ano com a força da época: Papai Noel descendo de helicóptero como qualquer cidadão de Hollywood, árvores se fantasiando de pinheiros de Natal, grandes árvores iluminadas nas ruas, casas se enchendo de brinquedos, presentes mil para crianças e adultos, provocando olhares cúpidos em tôdas as idades.

Eneida

Editorial

* Capa: Jayne Mansfield

Banca de Revistas

Joaquim Correa

Lembro quando minha mãe me deu umas moedas, na década de 70, sem saber quanto valiam, tendo de responder a pergunta dela: comprar uma revista recreio, que naquela época era de um papel mais consistente, cartonado, para recortar e montar algum cenário surpresa ou uma revista de palavras cruzadas da Coquetel, o Picolé. A revista recreio ficou para a próxima vez.

O fato era que vivíamos o tempo em que dizer em casa que ia na banca de revistas era o suficiente, pois todos na família sabiam onde ficava: perto de casa. Sempre tinha uma nas imediações e os donos eram pessoas que nos atendiam sempre bem humorados, mesmo que em uma conversa rápida, sempre sobrava tempo para uma brincadeira verbal que fazia voltar rindo e eles felizes por fazer alguém sorrir.

Os donos de banca não pareciam ricos, mas nem de longe lembravam pessoas que estivessem de mal com a vida.

Meu pai gostava muito do Tio Patinhas e Zé Carioca, mas eu acabava sempre dando um jeito de economizar aquelas moedas para comprar um novo gibi do Thor, o deus do trovão. Porém, ainda fiel aos desafios de caça-palavras, o Picolé, a revista, era sempre o da vez, quando não tinha número novo, então eu começava a estudar qual seria o gibi para não perder a viagem.

Poucos álbuns de figurinhas colecionados, pois naquela época era muito difícil completá-los.

Bancário, meu pai foi funcionário de uma instituição que patrocinou os anos de chumbo, a assinatura da revista Veja era uma imposição do regime, então tenho de confessar que quando tinha os meus nove anos, passava os olhos naquela que me mostraria o universo de Millôr Fernandes, me informando mais sobre o que acontecia nos outros países e pouco sobre nossos milagres econômicos e repressões.

Veio a adolescência, época de comprar revistas com conteúdo adulto, sem muita dificuldade, pois o vendedor da banca já me conhecia e não me perguntava se já tinha dezoito anos. Entre o grupo de amigos, era mais admirado o que tinha tido peito de colar a página central (poster) na porta do armário do quarto, pois era uma forma de mostrar que era peitudo e que a família não se opunha às práticas individuais.

Quando questionado sobre o conteúdo pelas meninas, vinha a clássica resposta: não é pelas fotos, são as reportagens e entrevistas que são de muito bom nível.

Até a metade da década de noventa, era comum termos o prazer de sair de casa num domingo, para comprar um jornal de domingo, pois era para esse dia que tinha sido preparado. Mas já começava a mudar a forma de vendagem, pois em Florianópolis, sábado, após as dez da manhã já havia a edição de sábado e a “gordinha” de domingo, com os jornaleiros dos semáforos. Dava para comprar no intervalo do sinal vermelho sem que o motorista que o seguisse tivesse uma síncope e começasse a buzinar, pois o sinal havia mudado para o verde, visto que ele estava fazendo o mesmo, comprando a edição dele.

Jornal do Brasil me trazia muita informação do mundo cultural que só o Rio de Janeiro tinha, inexplicavelmente Florianópolis desaparecera do mapa entre Curitiba e Porto Alegre. Lembro de ficar babando em inúmeros shows de bandas de rock internacionais que só aconteciam lá.

Folha de São Paulo, na época da universidade era leitura obrigatória, pois trazia um conteúdo político e econômico consistente, que estava mais adequado aos temas abordados por professores que fugiam da alienação de manchetes compradas pelo regime.

Lembro bem de colecionar a Ciência Ilustrada, que abria as portas para a ciência que não era proposta nos bancos acadêmicos, era mais abrangente, internacional, deslumbrante, mas acabou.

Veio a Superinteressante, uma proposta mais descolada de tratar temas polêmicos, mas ainda assim trazia textos bem escritos por profissionais e cientistas da área. Observem o lixo que se transformou quando pensou que a forma impressa poderia imitar a dinâmica da linguagem da internet.

No final da década de noventa, uma grande parte dos conteúdos pagos nas edições impressas de periódicos passou a ser oferecido de graça, como um chamariz, para os portais que reuniam as maiores publicações.

Nascido da fusão da Editora Abril e do Grupo Folha, o UOL se tornou o portal de maior crescimento na época, pois também tinha um grande número de publicações impressas que começaram a migração para o mundo virtual.

Onde estavam as bancas de revistas? No mesmo lugar de sempre, abarrotadas de papel impresso e aguardando o cliente que já não era muito fiel, pois parte do que o fazia ir até em dias de muito frio e chuva comprar o impresso, passou a utilizar o acesso (caro) da internet para ler matérias em tempo real, ao invés de aguardar o dia da publicação mensal.

Mesmo com todo o ritual, da necessidade de manusear o papel e interagir com o texto e a imagem estática, o público que frequentava a banca de revistas já não era mais o mesmo. Tentaram vender publicações com aromas, nas propagandas de perfumaria, mas não foi forte o suficiente para concorrer com o universo multimídia da internet.

Resultado desse movimento é o que vemos, ao caminhar pelo Centro de Florianópolis, com as bancas fechadas, informando que estão atendendo no shopping ou ainda apenas com correntes grossas nos “gritando” que estão “morrendo”.

Os sebos, por sorte, proliferam à margem da tecnologia e mudanças bruscas, mas dependem de nós, os que ainda suspiram quando acariciam uma revista ou livro “inédito” para nós, com o ruído delicioso de cada página virada.

Estaremos próximos da página final deste ícone de nossa infância?

Só o tempo dirá, mas creio que será rápido, não garanto que seja indolor.

A Praça

Banca do seo Arthur Beck.  Foto cedida pelo jornalista  Henrique Ungaretti.
Banca do seo Arthur Beck. Foto cedida pelo jornalista Henrique Ungaretti.

Henrique Ungaretti

Sempre gostei muito de banca de revista. Quando criança consumia a Recreio. Trazia passatempos, figuras para colorir, pontos para ligar. Havia uma revista sobre animais selvagens de fotos muito grandes e detalhadas que meu pai comprava para levar a meu avô quando visitava a Laguna. Eu gostava de ver os bichos. Os gibis não faltavam, é claro. Foi só na adolescência que percebi que ninguém era filho de ninguém em Patópolis. A Disney também publicava uns manuais de capa dura que faziam muito sucesso. Tinha o manual do escoteiro, o manual de bruxaria, o manual do detetive e até o manual do jornalista. Li todos.

A banca de revista só me virou banca de jornal mais tarde. Comecei com O Estadinho, encarte semanal do mais antigo. Certa vez, escrevi um conto sobre insetos que pousavam sobre folhas de árvore como se fosse pista de avião. Foi meu pai quem falou em publicar no suplemento infantil, mas não me lembro se isso aconteceu. D’O Estadinho pulei para a coluna do Beto Stodieck. Aquele era um tempo em que o colunista dava o preço do amor na praça XV e a gente se divertia. Com o Beto de O Estado aprendi a segurar uma folha grande de jornal. Dali, passei às outras seções. A conquista do jornal acompanhava a minha descoberta do mundo. Quando me dei conta, já estava adulto e lia o mais antigo da capa à contracapa.

Jornais e revistas nem sempre foram vendidos em bancas. O pioneiro O Catharinense era vendido em farmácias. A primeira banca de periódicos impressos de Florianópolis teria sido a banca do Beck? O ilhéu costumava comparecer, no final de todas as tardes, à portinha de frente para a praça XV onde se punha à espera da chegada dos jornais do Rio de Janeiro. Na década de 1960, o proprietário, seu Arthur Beck, precisou desocupar o imóvel. O negócio era tão importante que o despejo causou comoção. A Câmara dos Vereadores interveio e a prefeitura permitiu que se instalasse na própria praça.

Alguma coisa se perdeu dos florianopolitanos enquanto a cidade crescia destrambelhada. Alguma coisa também se perdeu de nós na imprensa local. Mas essa é outra conversa. O fato é que não se vende mais amor na praça XV. Nas ruas do Centro, uma sessão de sexo pode custar desde R$ 20 até a própria vida.

Quem Gosta de Revista Levanta a Mão!

Revista O Cruzeiro, Editora Bloc, ed. 1960
Revista O Cruzeiro, 1954. Exemplar da minha modesta coleção

O “dia do pagamento” era um dia especial. Meu pai chegava do trabalho e, após o banho, sentávamos para jantar. Em geral havia uma sopa, mesmo nos dias de calor, depois tomávamos café com pão, meus irmãos e eu, impacientes, só esperando um sinal para corrermos esbaforidos, disputando as janelas do carro. A briga era inevitável, a mãe ralhava, o pai só olhava pelo retrovisor. O destino era a Praça Fernando Machado, no centro, onde havia uma banca de revista.

A euforia era justificada. Em dia de pagamento, cada um podia escolher a revista que quisesse. Meu pai comprava a revista O Cruzeiro, de atualidades, Quatro Rodas e  Brucutu, uma HQ de que ele gostava, eu também gostava, o Almanaque do Fantasma ou do Mandrake. Minha mãe comprava Figurino, que trazia riscos de bordado, modelos e moldes de vestidos. Meus irmãos escolhiam um gibi, geralmente Pato Donald, Zé Carioca, Pateta ou Mickey. Eu preferia aquelas revistinhas de recortar vestidinhos de boneca, de papel, não lembro o nome, e o gibi do Tio Patinhas, principalmente por causa da Maga Patológica.

Adoro a Maga! Acho a Maga Patológica simplesmente um charme, apesar do gênio de cão! Como não se render àquela bruxa lançadora de “tendência”,  montada em seu indefectível pretinho básico, scarpim de saltinho, cabelo de chapinha e longos cílios, o que são aqueles cílios?  Eu me divertia quando ela, fracassando no ardil, se fazia de boazinha para seduzir o velho ranzinza. Na verdade, na verdade, a gente sabe, o que é existe ali é uma grande paixão enrustida. A “Moeda” é mera desculpa para ficarem pertinho um do outro. Dupla do barulho!

Líamos muito, apesar de não termos livros em casa. Tínhamos revistas. Muitas revistas. Na casa da vó Chica também tinha revistas, de um tipo que, logo logo,  passei a gostar mais do que os gibis. Minha vó colecionava fotonovelas – Capricho, Sétimo Céu, Ilusão -, e escondia as revistas no balcão da sala de jantar. Falei sobre isso na crônica Os Paninhos da Vó Chica publicada no livro Cenas Urbanas e Outras Nem Tanto:

Eu queria ler, ela dizia que não podia porque tinha “beijo”. Eu insistia, ela me mandava ir brincar. Com a ponta da faca arranjei um jeito de abrir a porta do armário e lia escondido, depois colocava a revista no lugar, exatamente como estava. Aprendi a gostar de romance lendo as revistas da minha vó.

Adulta, passei a colecionar revistas antigas. Mais tarde me tornei jornaleira, mas fui vencida pelos novos tempos e suas tecnologias revolucionárias. De vez em quando me pergunto: em tempos de ipads, tablets e redes sociais, haverá, espaço para pessoas como eu? Dia desses gritei:

Quem gosta de revista levanta a mão!

Duas pessoas responderam. Eis os depoimentos…