O Presépio da Praça XV

Em meados da década de 1970 Franklin Cascaes, artista popular e pesquisador da cultura da Ilha de Santa Catarina, montou, pela primeira vez, seu original presépio na Praça XV de Novembro.

Emoldurado pela centenária Figueira, o presépio de Cascaes homenageava o ilhéu e sua religiosidade, num esforço de reavivar as tradições trazidas dos Açores, uma contraposição crítica à banalizada figura do Papai Noel. Utilizando sementes, conchas, folhas, flores e frutos, Cascaes montou um presépio estilizado à exceção do Menino Jesus, moldado em gesso, fazendo uma releitura nativa, popular e artística do Sagrado Nascimento.

Com sua morte em 1983, coube ao discípulo Gelci Coelho, o Peninha, dar continuidade à tradição. Ele o fez durante a década de 80, agregando elementos do artesanato ilhéu e compondo, como é do seu feitio, uma representação original e performática.

Desde 1992, o Presépio da Praça XV está sob responsabilidade de Jone de Araújo, um artista com forte ligação com a cultura da Ilha que, por amor ao presépio, se tornou especialista no assunto.

Chegando à Cena do Nascimento
Chegando à Cena do Nascimento

Presépio da Praça XV edição 2012. Criação de Jone Cezar Araújo. Direção de Arte: Gelci Peninha Coelho.

Benzedura Contra Zipra

Pedro Paulo foi a Roma

Encontrou com Jesus Cristo

Jesus Cristo perguntou:

Que há por lá, Pedro Paulo?

Senhor, muita zipra, muita zipela

Muita gente morre dela!

Volta lá Pedro Paulo

Com que se cura a zipra Senhor?

Óleo de oliveira, a lã da carneira virgem

Isso mesmo se curaria

Em nome de Deus e da Virgem Maria.

Amém!

 

Fonte: Gelci Coelho, o Peninha

Oração Contra o Mau Olhado

Recebi essas palavras de Jesus

pelo teu corpo em cruz

Assim como passa pela Lua

A Lua pelo Sol.

Quem comanda o teu corpo

É Nosso Senhor do Céu.

Se esse mal no teu comer, no teu beber,

No teu andar, no teu vestir,

No teu deitar, no teu dormir,

Na tua formosura,

Com dois te botaram

Com três eu tiro.

Na graça e no amor de Nosso Senhor.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo

Amém!

Fonte: Gelci Coelho, o Peninha

Rezo de Proteção para a Pessoa, a Moradia e o Lugar (pode ser útil nesses dias sombrios)

Pela cruz de São Saimão

Que te benzo com a vela benta na

Sexta-feira da Paixão.

Treze raios tem o Sol

Treze raios tem a Lua

Salta diabos para o inferno

Que esta alma não é tua!

Tosca marosca

Rabo de rosca!

Aguilhão nos teus pés

E freio na tua boca.

Por cima do silvado

São Pedro, São Paulo e São Fontista

Dentro da casa, São João Batista.

Bruxa tatara-bruxa

Tu não me entres nesta casa

Nem nesta comarca toda

Por todos os Santos dos Santos

Amém!

 
(rezo contra bruxedo registrado por Franklin Cascaes na Ilha de Santa Catarina)

Oração contra Bruxedo

Pela cruz de São Saimão

Que te benzo com a vela benta na

Sexta-Feira da Paixão.

 

Treze raios tem o Sol,

Treze raios tem a Lua

Salta Demônio pros Inferno

Que essa alma não é tua!

 

Tosca marosca,

Rabo de rosca,

Aguilhão nos teus pés

E freio na tua boca.

 

Por cima do silvado,

São Pedro, São Paulo e São Fontista.

Dentro de casa, São João Batista.

 

Bruxa tatara bruxa

Tu não me entres nesta casa

Nem nesta comarca toda.

Por todos os Santos dos Santos,

 

Amém!

 

*Expressão da religiosidade popular na Ilha de Santa Catarina registrada por Franklin Cascaes e divulgada por Gelci Coelho, o Peninha.

Franklin Cascaes

“Boneco” de Franklin Cascaes em tamanho natural. Obra da ceramista Osmarina e Paulo Villalva para o Presépio Natural da Família Villalva no Natal de 2011. Cascaes foi  representado como um dos Reis Magos. Ao seu lado, um pescador, o segundo Mago. Canoa e  rede são suas singelas oferendas.

Admirado e respeitado pelo povo, Cascaes se ressentia da falta de apoio oficial, fazia tudo às suas próprias “expensas”, para usar uma expressão própria dele, vivia às turras com os políticos e autoridades acusando-os  de descuido com o patrimônio cultural e natural da Ilha num tempo em que não se falava em preservação; ao contrário, como hoje, a necessidade de “progresso” era a justificativa para a sua destruição.

Levava uma vida simples, vivia do salário de professor aposentado, vestia-se modestamente, morava de aluguel. Nunca foi seduzido pelas significativas somas que lhe ofereceram diversos compradores, inclusive estrangeiros, interessados em sua obra. Nunca vendeu uma peça sequer, mas fez inúmeras doações a instituições no Estado e teve o desprazer de ver suas obras serem vendidas pelos titulares dessas instituições. Guardava disso uma grande mágoa.

As Muitas Mortes do Professor Francolino

Foi no dia 16 de março de 1983 que o Francolino devolveu ao pó o seu corpo velho e cansado. Morreu “do coração”, disse o médico. E, para quem tanto amou, nem podia ser outra a causa. Foi enterrado no Cemitério das Três Pontes, ao lado de sua amada esposa.

Foi um funeral simples, como simples foi toda a sua vida. Estiveram presentes aqueles que o amaram e foram amados por ele, o povo e os artistas, e ausentes os políticos e as autoridades que não o amaram, nem respeitaram, no que, à bem da verdade, foram intensamente correspondidos. O corpo ele entregou ao pó, já a sua alma…

Há quem diga que subiu ao Céu de mãos dadas com o Menino Jesus acompanhado de uma estranhíssima corte de “anjos de piteira” e uma procissão de bruxas, lobisomens e boitatás em alarido, além de inúmeros cabritos, camelos e galinhas com cabeça de catuto e também pelos espíritos de centenas de rendeiras e pescadores desencarnados.

Muitos confirmam as bruxas, os anjos, as rendeiras e a bicharada toda, com o obstante de que, quem veio buscar o professor foi Nossa Senhora em todo seu esplendor e que o Menino, um pouco mais crescidinho, esse vinha mais atrás amontado no lombo de um camelo.

Dizem até que o que mais se ouvia não era o Coro dos Anjos e Arcanjos, como prometem as Escrituras, mas o riso claro do Menino que se divertia com os sobressaltos do bicho, quando Ele, malininho, arrancava os tufos da barba-de-velho que recobria o animal. Há quem tenha percebido no rosto sereno de Nossa Senhora uma certa parecença com o da D. Beth, patroa do professor, mas não dá pra levar ao pé da letra, porque, nesse quesito, a pessoa não goza de boa fé.

Tem até quem jure de pé junto que o Francolino teria sido pescado por uma vastíssima rede de estrelas lançada pelo próprio Deus-Pai em Primeiríssima Pessoa que, transformando-Se a Si mesmo em humilde pescador, encarregou-se pessoalmente do traslado daquela boa alma.

A verdade verdadeira é que ele não desencarnou, coisíssima nenhuma. Palavra de honra! O professor foi é enraizado na Praça XV no lugar exato onde está a Figueira, transformado em raiz nova da velha árvore por obra e graça do Diviníssimo Filho de Deus que lhe concedeu a realização de três desejos pelos relevantes serviços prestados à Sua Sagrada Família. O professor disse que não precisava, que fez o que fez por amor a Ele, Menino Jesus e também à Virgem Maria e, é claro a São José. O deusinho insistiu, queria retribuir. E tanto fez, tanto fez, que o Francolino finalmente declarou os desejos.

Primeiro, que a beleza e a arte do seu presépio não morressem jamais; segundo, que o esforço dele, Francolino, para preservar a cultura dos antepassados não tivesse sido em vão e, terceiro, que se Deus-Pai não ficasse ofendido, ele, Francolino, preferia ficar aqui na Ilha de Santa Catarina. Se pudesse escolher, queria mesmo é virar poeira no meio da Praça XV. E foi isso que sucedeu. O Jesusinho ressaltando que poderia lhe conceder apenas o terceiro pedido, já que os outros não dependiam Dele, mas sim do povo da Ilha.

Como é que eu sei disso? Pois se eu estava lá, senhora! Foi assim: eu vinha muito bem, muito bem, atravessando a Praça, quando notei um alvoroço perto da Figueira; então me aproximei para descobrir o que estava acontecendo. Foi aí que eu vi o Menininho Jesus descendo do Céu, deitadinho numa nuvem branca ladeada por dois anjinhos barrocos, nuzinhos.

Apesar de que de onde eu estava não deu para ouvir toda conversa, observei que o velho Francolino falava, falava e que o Jesusinho ouvia, ouvia, com atenção. No final, o Menino sorriu docemente e fez com a cabeça que sim. Foi aí que, assim, do nada, senhora!, apareceu um bando de querubins e serafins, iguais àqueles que o Professor fazia, que foram pousando, um a um, em volta dele, o Professor. De repente, o velho começou a rodopiar que nem pião e os pés dele foram se enfiando terra adentro até a cabeça sumir de vez. Quando a poeirada abaixou, ainda deu pra ver um tremor no tronco da Figueira. Vento Sul não foi, nem lestada, porque estava tudo parado. Acho que era ele se instalando!

Eu estava lá, ninguém me contou. E, pra me aprecatar de que alguém me alcunhasse de mentirosa, que nessa terra tem muita maledicênça, sem que ninguém apercebesse, eu fui chegando, pé ante pé, até ficar bem pertinho do Menino Jesus e arranquei um pedacinho da nuvem. Tá duvidando? Vamos lá em casa que eu te mostro!

 

 “Boneco” de Franklin Cascaes, obra da ceramista Osmarina Villalva, de Florianópolis, SC.

Nascido no dia 16 de outubro de 1908 no bairro Itaguaçu, área continental da cidade,  Franklin Joaquim Cascaes foi o mais importante estudioso da cultura popular da Ilha de Santa Catarina e um dos mais relevantes artistas populares do País. Morreu pobre, apesar da riqueza da sua obra.

Criado na roça, mas a beira do mar, Cascaes viveu uma infância de extrema simplicidade, porém de “muita fartura”, como costumava salientar. A família era proprietária de muitas terras e de uma “pequena fazenda”, onde “havia dois engenhos de farinha e um terceiro de açúcar. Tinha também uma pequena charqueada, pesca” .

Alfabetizado apenas na idade adulta por restrição do pai que preferia vê-lo cuidando da propriedade, desde menino Cascaes gostou de desenhar e de conversar com as pessoas, especialmente os “jornaleiros”, como eram chamados os trabalhadores contratados por empreitada – jornada, na linguagem da época -, para o plantio  da “mandioca, do feijão e da cana”; para o processamento da farinha – a farinhada -, e do açúcar.

Nessas conversas, o jovem Franklin ouvia “estórias” fantásticas sobre mulheres e homens que se transfiguravam nas noites de lua, de crianças que definhavam até a morte, o sangue bebido por bruxas na escuridão da noite, e também de fatos inusitados como canoas que “avoam”,  de águas domesticadas pelo uso e raízes de mandioca tão grandes que abrigam pessoas no seu interior. Cascaes registrava tudo.

Com o tempo essa passou a ser sua ocupação permanente,  como atestam suas incursões pelo interior da Ilha recolhendo e registrando em letras, desenhos e esculturas as histórias bruxas, lobisomens e boitatás, as soluções e simpatias – a medicina prática dos ilhéus -, a técnica de construir canoas e engenhos, a culinária, a linguagem, os costumes, os folguedos infantis, as rezas e os ritos de Vida e Morte remanescentes dos açorianos, um trabalho que ele empreendeu aos trinta e oito anos e realizou por sua conta e risco ao longo da vida, sem outra intenção a não ser preservar as lembranças do tempo passado, a memória dos ancestrais. Cascaes criou também o Presépio Natural e deu início à tradição do Presépio da Praça XV já comentado aqui no blog.

No dia em que se registra o aniversário de sua morte, o nosso mais profundo agradecimento e o desejo de que Deus o tenha na palma da Mão!

*para saber mais:  Cascaes, Franklin. Vida e Arte e a Colonização Açoriana. Org. Raimundo C. Caruso. Florianópolis. Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 1981.

 

O Presépio da Praça XV

Presépio da Praça XV (2011) Presepista: Jone de Araújo e equipe

Há mais de dois mil anos, o nascimento de uma criança estimula os artistas a reproduzirem a cena que se tornou referência universal e se inscreve no contexto da religiosidade humana. Em 1223, Francisco de Assis promoveu a reconstrução poética do presépio nas montanhas de Greccio, modificando doravante a sua representação e sendo, por isso, seu patrono desde 1986.

Difundido na Europa pelos franciscanos, o presépio ocupou primeiro as igrejas (séc. XIV e XV) como estratégia de evangelização dos iletrados, mas foi no séc. XVII que ele se popularizou ao agregar uma intenção estética.

Em 1975, Franklin Cascaes, artista popular e pesquisador da cultura da Ilha de Santa Catarina, montou, pela primeira vez, seu original presépio na Praça XV de Novembro. Emoldurado pela centenária Figueira, o presépio de Cascaes homenageava o ilhéu e sua religiosidade, num esforço de reavivar as tradições trazidas dos Açores, uma contraposição crítica à banalizada figura do Papai Noel. Utilizando sementes, conchas, folhas, flores e frutos, Cascaes montou um presépio estilizado à exceção do Menino Jesus, moldado em gesso, fazendo uma releitura nativa, popular e artística do Sagrado Nascimento.

Com sua morte em 1983, coube ao discípulo Gelci Coelho, o Peninha, dar continuidade à tradição. Ele o fez durante a década de 80, agregando elementos do artesanato ilhéu e compondo, como é do seu feitio, uma representação original e performática. Desde 1992, o Presépio da Praça XV está sob responsabilidade de Jone de Araújo, um artista com forte ligação com a cultura da Ilha que, por amor ao presépio, se tornou especialista no assunto.

A beleza do Presépio nos reconduz à Praça e nos religa, quando não à religião, certamente à Cidade e suas raízes, oferecendo a todos nós a oportunidade de “encontrar a fogueira” em nossos próprios corações. O Presépio da Praça XV  já está montado. O Menino está à nossa espera.

 

Ilha de Santa Catarina, Ilha do Presépio

Presépio Paz na Terra Praça da Cidadania Universidade Federal de Santa Catarina

Há mais de dois mil anos, a aparição de um menino tem estimulado os artistas a recontarem o enredo do seu nascimento e não é preciso acreditar na divindade daquela criança para bem representar a cena da manjedoura. A afeição pelo presépio transcende o seu caráter religioso, pois incorpora uma simbologia que é universal e vem de tempos imemoriais.

Na Ilha de Santa Catarina, o culto ao presépio é uma tradição trazida nos baús dos guardados das famílias açorianas que aqui aportaram há mais de duzentos anos, uma prática que teve em Franklin Cascaes, artista e pesquisador, o seu mais fervoroso defensor. Durante muitas décadas, o seu originalíssimo presépio natural feito de conchas, sementes e folhas de piteira não apenas manteve viva a tradição; ele também influenciou outros artistas e vem construindo uma rede de talentosos presepistas cujas mãos presenteiam a Cidade com presépios de extrema beleza e originalidade.  Osmarina e Paulo Vilalva fazem parte desse grupo.

O casal que já produzia peças inspiradas na cultura de base açoriana como o Boi-de-mamão e a Folia de Reis, passou a dedicar-se também aos presépios desde que Osmarina, que é ceramista, fez o curso Presépio Popular Açoriano e Italiano com o artista plástico e presepista Jone César de Araújo em 2002. Paulo, que pinta desde criança, também se apaixonou pela plasticidade da cena da manjedoura. Daí em diante, eles passaram a criar pequenos presépios num estilo todo próprio, aprimorando sua técnica e montando, ano após ano, conjuntos de  beleza singular.

Em 2007 Osmarina e Paulo montaram o primeiro presépio em tamanho natural em frente ao seu ateliê no bairro Saco dos Limões, em Florianópolis, onde também residem. Passados cinco anos, o presépio da Família Vilalva é uma tradição.

Na noite de abertura, acontece uma linda festa à qual comparece toda a comunidade além de artistas, representantes da área da Cultura e amigos, entre os quais me incluo. Os convidados levam brinquedos que depois são distribuídos para as crianças carentes e, em troca, são recebidos com música – um grupo de músicos da comunidade canta os tradicionais cantos natalinos -, além de uma mesa farta com a deliciosa comida da culinária ilhoa como bolo de milho, rosca de polvilho, beiju, caldo de cana feitinho na hora e um delicioso café.

Este ano, Paulo Andrés, o filho mais velho que é estudante de Artes Plásticas, se juntou aos pais na montagem do presépio que, por essa razão, passou a ser chamado Presépio da Família Vilalva.

 

Barlavento – indo para o lugar de onde sopra o vento

Quem é de fora, como se diz, que seja bem aparecido e não se aborreça se essas histórias de província lhe parecem de rasa importância. É bom que saiba, no entanto, que é aqui, nesta pequena ilha do sul do mundo que o vento faz a curva e que, ainda que os homens de muito estudo expliquem porque as águas das duas baías se alternam em fúria ou calmaria conforme seja suli ou lestada a ventania, ninguém convence a gente por causo de que esse fenômeno acontece exatamente ali debaixo da Ponte Velha, nem mais pra cá, nem mais pra lá, lugar, aliás, de onde muito vivente já se jogou, desacorçoado da vida, que Deus os tenha.

 A verdade é que esta aldeia tem mesmo alguma coisa muito estranha. Há quem diga que a culpa é do Franquilin que foi buli c’o as bruxa, aí elas se arrenegaro e encantaram de vez esta aldeia e, desde então, todo mundo que passa por aqui fica encantado. A gente não sabe muito bem o que é que é, mas de uma coisa a gente tem certeza: aí tem!

 O que a gente sabe é que, aqui, o Vento Sul tem a estranha mania de bolinar com as moças e também com as velhas, e de levantar suas saias para espiar suas coxas e, como amante brincalhão, desmancha-lhes o cabelo chamando-as pra vadiar. E aí as moças não sabem se seguram as saias ou os pacotes e tem moço que fica parado, encostado na parede, só olhando, e as velhas, assanhadas, com a desculpa de que tem coisa que quebra, antes preferem acudir os pacotes do que as saias e ficam afogueadas e depois vão pra jigreja pedir perdão a Deus Pai de ainda pensar nessas coisas, apesar da idade.

 E esse mesmo vento que faz a alegria das viúvas e das moças já foi a desgraça dos engenheiros da CELESC e às vezes também dos pescadores que chamam ele de rebojo, porque é um vento traiçoeiro que muda o tempo todo de direção não adiantando aproar a batera pra quebrar a onda porque parece que ele apercebe e muda de novo abordando a canoa de lado e aí naufraga tudo, barco-homem-pescaria, devolvendo os peixes para o mar.

 Mas, apesar disso, também é aqui, moço, nesta aldeia, que todo ano Nosso Senhor reedita, ao vivo e em cores, o milagre da multiplicação dos peixes abençoando nossas redes com milhares e milhares de tainhas ovadas. Entonces, o milagre aparece na televisão pra quem precisa ver para crer e a gente sai de casa em pleno inverno, debaixo de vento, e vai para a beira da praia comer peixe frito com pirão d’água e, apesar de encarangado, diz assim: – Isso sim é que é Paraíso!

 * (trecho da crônica Metamorfose, do livro A Minha Aldeia, Papa-livro, 2004).

 * Lê-se também em Crônicas da Desterro em @carosouvintes.org.br