Casa Branca

Foto: Carlos Amorim
Foto: Carlos Amorim

Casa branca em frente ao mar enorme,

Com teu jardim de areia e flocos marinhas

E o teu silêncio intacto em que dorme

O milagre das coisas que eram minhas.

A ti voltarei após o incerto

Calor de tantos gestos recebidos

Passados os tumultos e o deserto

Beijados os fantasmas, percorridos

Os murmúrios da terra indefinida.

Em ti renascerei num mundo meu

E a redenção virá nas tuas linhas

Onde nenhuma coisa se perdeu

Do milagre das coisas que eram minhas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Cidade

Da janela do ônibus 1

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,

Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,

Saber que existe o mar e as praias nuas,

Montanhas sem nome e planícies vastas

Que o mais vasto desejo,

E eu estou em ti fechada e apenas vejo

Os muros e as paredes, e não vejo

Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida

E que arrastas pela sombra das paredes

A minha alma que fora prometida

Às ondas brancas e às florestas verdes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Mare Nostrum

E por falar nele, Vento Sul, algo que eu queria ter escrito:

Foto: Fátima Barreto
Foto: Fátima Barreto

“Quanto tempo se passara? Não faziam ideia. O tempo-espaço perdera seu sentido e sua dimensão. Não existia, coisa alguma existia. Só a luta contra os elementos, só a luta pela vida, só a noite, só o vento, só os trovões que se repetiam repercutindo, só os relâmpagos que por fugazes instantes os iluminavam, iluminando a baleeira que ia e vinha. E no clarão entreviam a ilha a distância. Sim, já não era a baleeira que se movia, era a ilha, sacudida com furor.”

Salim Miguel

Tanto Mar

Foto: Fátima Barreto
Foto: Fátima Barreto

E por falar nisso… Uma das coisas mais lindas que já se disse sobre o Mar:

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.

Viajaram para o Sul.

Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

– Me ajuda a olhar!

* A função da arte/1 do O Livro dos Abraços do Eduardo Galeano, aquele um que me fez a desfeita de morrer logo agora que eu o descobri. Sempre gostei dos seus escritos, mas o conhecia por citações. Leio e fico como aquele menino diante do mar.