“”O que você quer ser quando crescer?” – Modista! Ela respondia desde muito pequena. O pai insistia que ela fizesse faculdade, ao contrário da maioria que, naquela época, o que queria era ver a filha bem casada. Ela dizia – Não, pai! Eu não quero fazer faculdade, eu quero ser modista! Costureira pai, costureira!
E o que resta ao pai, senão fazer vontade de filho, ainda mais de filha única, seu xodó? Resta pagar o curso de Corte e Costura numa escola profissional, comprar a máquina mais moderna existente no mercado, assinar as melhores revistas de moldes e figurinos do país; resta mandar fazer uma placa bem bonita para colocar na frente da casa: Modista.
Dizem que fazer o que se gosta é meio caminho andado. E, pelo jeito é mesmo,pelo menos no caso dela. Talento associado à simpatia e facilidade para fazer amizade, igual a sucesso garantido! Especializada em roupas femininas, ela aprendeu a fazer tudo: blusas, vestidos, calças compridas, bermudas, shorts, blazers, casacos, vestidos para o dia-a-dia, trajes de festa, vestido de formatura, vestido de “Quinze anos”, vestidos de noiva, vestido de madrinha de casamento. E a clientela? Impressionante! Vinha uma, trazia o resto, amigas e família!
Casamento era de lei! Fazia o vestido da noiva, o enxoval da viagem, o vestido da daminha, o vestido da mãe da noiva, o vestido da irmã da noiva, o vestido da sogra da noiva, o vestido da cunhada da noiva, o vestido da vó da noiva e também o da vó do noivo, quando as havia.
Foi o que aconteceu daquela vez. Acertados os vestidos da noiva, da mãe da noiva, era hora de cuidar do vestido da vó da noiva, uma senhorinha determinada que não quis saber de ter o vestido desenhado pelo moço de sobrancelhas feitas da loja de tecidos. – Eu que sei como quero o meu vestido!
Pois muito bem. Chegou à casa da modista com a neta e se pôs a “mostrar” o modelo colocando o tecido sobre o corpo dobrando-o e desdobrando-o como se o montasse para explicar o modelo. No dia da prova, alfinetados os excessos, faltava marcar a bainha e a delicada operação de recortar o decote. Quem costura sabe que todo cuidado é pouco! Qualquer erro, lá se foi o vestido! – Vó! E o decote? Pergunta a neta falando alto.
A senhorinha começa a explicação desenhando com a mão um decote quadrado. A modista, então, lança mão da tesoura e, com perícia, dá um pique certeiro. Depois outro, e mais outro. Recorta uma pequena rebarba do tecido e sorri, orgulhosa de seu perfeccionismo. Só então ela se dá conta do olhar petrificado da senhorinha. – Mais decotado? A senhorinha diz – Não. Eu queria assim ó! E vai desenhando um decote V sobre o colo magro. A modista diz – Mas a senhora fez assim ó!, e desenha um decote quadrado. Ela, então, se sai com essa: “Eu tava explicando exatamente do jeito que eu não queria”.
* a partir do relato da D. Léa, minha modista.
Foto: Nesta máquina de costura manual, minha bisavó (Vó de Laguna) fez o seu enxoval de casamento e o enxoval dos seus quatro filhos. Minha Vó Chica fez seu enxoval de casamento e depois, o enxoval e as roupinhas dos seus dez filhos. Moça, minha mãe manteve a tradição costurando seus lindos vestidos rodados e, ao ficar noiva, o seu enxoval de casamento, assim como o meu enxoval de nascimento e os dos meus irmãos.
Anos depois, ganhou uma máquina de pedal de presente do meu pai e aposentou a velha máquina que acabou sendo vendida para uma amiga. Quando soube dessa história, eu já era mãe dos meus próprios filhos. Não sosseguei enquanto não trouxe a velha máquina de costura da minha bisavó de volta para a família. Hoje ela está no meu escritório, há tempo não funciona mais, mas fica bem ao meu alcance, para que eu nunca esqueça de onde eu venho: uma linhagem de grandes e dedicadas mulheres.