Inquilino Ilustre: O Pavão do Palácio

Durante muitas décadas o “Pavão do Palácio”, como era conhecido, reinou absoluto nos jardins do Palácio dos Despachos, antiga sede do Governo do Estado de Santa Catarina, atual Museu Cruz e Sousa.

Cena comum era encontrar crianças, velhos e adultos encostadas no gradil de ferro a observá-lo. Indiferente, ele exibia sua belíssima cauda colorida. As pessoas exultavam; a maior alegria, no entanto, acontecia mesmo é quando ele se empoleirava sobre as pilastras da murada que cerca o Palácio.  Quem se lembra?

Ao contrário do que dizem as más línguas, foi retirado do local pela inadequação daquele espaço, fruto da nova consciência sobre o trato dos animais. Não sei para onde foi transferido.

“Pavão do Palácio”  Foto: Acervo Foto B

Minha Adorável Vó de Laguna

Na família há quem não saiba seu nome. Chamava-se Aurelina (minha mãe recebeu o mesmo nome em sua homenagem) e era, na verdade, minha bisavó. Mas era assim que a chamávamos – Vó de Laguna – para diferenciá-la da filha Francisca, a Vó Chica, que morava perto da gente.

Era daquelas avós das histórias infantis, baixinha, delicada e bondosa. Tinha o olhar sorridente, de um azul intenso, trazia o cabelo preso num coque, usava broche, xale e meia fina. Era alegre, vivaz, apesar dos muitíssimos sofrimentos e privações.

Aos oitenta e tantos anos, tinha fama de andarilha porque morava em Laguna, mas vivia na estrada. Vinha de malinha para “passar uns tempos” e ficava de três a quatro meses transitando entre as casas dos inúmeros netos. Então voltava para sua base.  Preferia a casa dos netos porque as filhas queriam fazê-la sossegar o pito e isso era a última coisa que aquela velha queria fazer na vida. Argumentava: – Se eu ficar em casa a Morte sabe onde me encontrar. Eu, hein? Se ela quiser me levar que me procure, eu é que não vou ficar aqui esperando!

Todos a queriam na hora do aperto e nem precisava chamar. Bastava a carta chegar à Laguna e ela se desabalava para a casa do necessitado, “pra ajudar”. Se não havia o que fazer, ela ajudava do jeito que podia, ajoelhada, grudada no rosário. O neto pedia: – Reza por mim, Vó!Não precisa pedir, meu filho. A Vó vai rezar. Confia em Deus! Em Deus a gente confiava, mas contava mesmo era com a Vó. Aquilo sim é que era onipresença e infalibilidade! Salve Rainha, mãe de misericórdia! De vez em quando aparecia de surpresa, pois tivera um pressentimento.

Católica fervorosa, tinha sonhos premonitórios, conhecia ervas e benzeduras, rezava responso. Em outros tempos seria condenada à fogueira em praça pública. Adorava borboletas e tinha com elas uma estranhíssima relação de cumplicidade.  Às vezes, dizia ensimesmada: – Tem alguma coisa acontecendo. Hoje uma borboleta veio me arrodear no jardim…

À noite, sentava num banquinho, o banquinho da Vó de Laguna – cada casa tinha um -, para pitar o palheiro, cujo fumo ela picava diligentemente com seu canivete afiado – sim, minha bisavó tinha um canivete! – enquanto os bisnetos iam se instalando, em círculo, pelo chão. Alguém dava a senha: – Conta uma “estória” Vó?

Ela então desandava a falar de castelos e reinos distantes, príncipes valentes e lindas princesas, pais omissos, madrastas abusivas e bruxas más. Hoje reconheço naquelas “estórias” a riqueza da tradição oral, sua mitologia e os estágios da iniciação: a perda da inocência, a queda, a incursão pela floresta escura, o retorno à condição de selvagem, o circuito de provações, o aprendizado, o casamento sagrado e a recompensa final.  Conta de novo Vó? Ai, que saudade!

Enquanto contava histórias, ela enrolava o fumo, acendia o palheiro, pitava e passava o cigarro para o descendente mais próximo, não importava a idade – que, por sua vez, pitava, engasgava, tossia, mas não desistia e o passava adiante. O cigarro girava na roda repetindo uma cena ancestral: na escuridão da noite, uma tribo se reune e uma mulher velha conta histórias ao redor do fogo. Mais que o vício, ela socializava valores e nos conectava com o universo arquetípico e a Sabedoria do Mundo.

Um dia antes de eu completar vinte anos ela foi embora. Desde então uma coisa estranha vem acontecendo. Sempre que algo importante está para acontecer, uma morte, o nascimento de mais uma criança, um casamento ou aniversário, uma mulher da família telefona para contar que, há dias, uma borboleta está parada no umbral da porta. É o sinal. Ela veio pra ajudar.

Bença Vó!

* Foto: Praça Central de Laguna terra dos meus ancestrais e também da escritora Maria de Fátima Barreto Michels, condinome Fátima da Laguna, autora da foto.

Aos Editores, Jornalistas e Jornaleiros

Banca do Sr. Athur Beck - 1ª banca de revistas e jornais de Florianópolis. Foto: acervo do pesquisador Dr. Norberto Ungaretti, gentilmente cedida pelo querido amigo Henrique Ungaretti

No dia em que se comemora os 180 Anos da Imprensa Catarinense, rendo minha homenagem aos empreendedores, editores, jornalistas e jornaleiros. Entre esses, claro, a Jerônimo Coelho e a tantos outros criadores de jornais e revistas, especialmente os jornaizinhos de bairro, à minha filha Carolina de Assis e ao meu genro Gustavo Schwabe, jornalistas e aos colegas jornaleiros aqui representados pelo Sr. Artur Beck, proprietário da 1ª banca de revistas e jornais de Florianópolis.

Jornal O Catharinense 180 Anos

 Antes da invenção do jornal as notícias corriam de porta em porta.

À boca pequena construíam-se e destruíam-se reputações adicionando ou subtraindo personagens, fatos e detalhes de acordo com a criatividade e a conveniência do narrador. Uma Lei de 1642 “proibia em todo o Reino luso, a impressão de gazetas gerais” alegando a “pouca verdade de muitas e estilo de poucas” conta Celestino Sachet, em seu livro História de Santa Catarina. Em contrapartida, “Supria-se a falta de jornais pelos boatos e cochichos nas lojas de fazenda e nas boticas, nas feiras, nos Senados, nas Câmaras, nos cais dos portos, nos armazéns. (…) os pasquins multiplicavam-se afixados nos muros ou colocados sorrateiramente por baixo das portas, ou ainda jornais caprichosamente manuscritos, circulando de mão em mão, às escondidas, em prosa e verso, ora justos, ora injustos e caluniosos, denunciando irregularidades, influindo na opinião pública”. Em 1821 uma resolução governamental permitiria, enfim, a “circulação de periódicos de propriedade particular”, ainda que sujeitos à censura prévia, segundo o professor Sachet. Como no Brasil também na Desthêrro de antanho.

 “Naqueles tempos ainda não havia jornaleiros, nem venda avulsa. As edições eram distribuídas apenas aos assinantes, então chamados de ‘subscritores’ ”. 

 Em pesquisa na Biblioteca Pública Estadual, encontrei algumas deliciosas curiosidades. O Semanário Illustrado O OLHO, edição de 06 de abril de 1916 Número 1 ANNO 1, por exemplo,  trouxe na página 2 a seguinte advertência, quase ameaça:

 “Todos os que receberem o presente número e não o devolverem no prazo máximo de tres dias, serão considerados assignantes”.

E alertava:

 “Do 2º número em diante só publicaremos annuncios em papel assetinado si os srs annunciantes se sujeitarem ao pagamento da differença do preço do papel” (página 2).

 Já na página 3 esse era o destaque: “Esta revista só se vende na engraxataria à rua República”. Isso demonstra que os primórdios da Imprensa Catarinense resultaram dos esforços e do espírito empreendedor de grandes idealistas destacando-se Jerônimo Joaquim Coelho que, há exatos 180 anos comemorados neste 28 de julho de 2011 (coincidentemente uma quinta-feira), lançava o número-programa do jornal O Catharinense, o 1º jornal da Província. Corria o ano da graça de 1831 e Coelho dirigiu-se assim à sociedade catarinense:

 “por êsse modo, eu vos abro o santuário da Imprensa e, por seu intermédio também podereis mutuamente comunicar vossos pensamentos e idéias  e, desta arte, as luzes se propagarão com rapidez e facilidade”. (número-programa de O Catharinense, 1º jornal da Província lançado em 28 de julho de 1831, Jerônimo Coelho – Redactor).

*  Durante a pesquisa, descobri que o único exemplar original do O Catharinense existente na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina foi roubado, assim como o que havia no Arquivo Público Municipal. É chocante observar o deplorável estado de conservação de exemplares datados do final do século XIX e início do século XX, verdadeiras preciosidades, esfarelados, riscados à caneta, rasgados ou cortados com estilete. Mais recentemente me chegou a informação de que haveria um exemplar do O Catharinense na Biblioteca Central da Universidade Federal de Santa Catarina, o que ainda não pode ser confirmado em função da greve da Universidade. Encerrada a greve farei uma visita à BC para confirmar a informação que, claro, será compartilhada com os amigos.