Uma Casa de Varanda

Saudade de um tempo em que a gente morava em casas térreas de muros baixos e quintais com roseiras, lírios e cravinas. Os parentes e amigos chegavam destramelando o portão e já apareciam direto na porta da cozinha estampando na cara da gente um inesperado sorriso e o olhar de contentamento: – Olhó-lhó quem táqui, ó!!! Ô, fulano! Vem ver quem chegou!, enquanto se apressava a botar a chaleira no fogo pra passar o café.

Norma Bruno

Em julho de 2021

Foto: Roney Prazeres

Eu Vejo Poesia!

Meu amigo escreveu em seu perfil do Facebook:

Eu vejo poesia nos pequenos detalhes de minha cidade!

Eu disse: Padeço dessa mesma doença do zóio. Me disseram que não tem cura.

Ele respondeu: Ainda bem!

Respondi: Também fiquei aliviada!

Foto Roney PrazererPoesia para os momentos tediosos, Poesia para os momentos felizes, Poesia para os momentos sombrios: Poesia, o verdadeiro e único remédio CuraTudo.

Foto: Roney Prazeres

(detentor do olhar acometido de Poesia que deflagrou o presente diálogo).

Casario: sede da rede Laboratório Médico Santa Luzia, localizado na Rua Almirante Alvim. Uma prova de que Florianópolis pode crescer preservando o seu rico patrimônio.

 

O Tamanho da Fome

Foto: Joaquim Araujo. Varal da Trajano
Foto: Joaquim Araujo. Varal da Trajano

Mal atravessei a rua ele me abordou: – Paga um lanche pra mim, tia? Tô com fome! Tem uma lanchonete ali, ó!  Girei sobre os calcanhares enquanto ele contava o resto do enredo: – Se a senhora puder me ajudar com algum trocado pra comprar a passagem pra Imbituba… Eu sou de lá. Acabei de sair da Penitenciária. Cumpri oito anos… Eu pago o teu lanche, respondi. Na entrada da lanchonete o proprietário me lançou um olhar preocupado: – Pode escolher o lanche que tu quiseres, eu disse enquanto olhava para o homem como a dizer “está tudo bem”. Ele relaxou e passou a dar atenção ao jovem. Eu sugeri: – Queres um sanduíche? (mais nutritivo, maior, dá mais sustança, pensei). Ele: – Prefiro este aqui, apontando um empanadoe um refri. – Não preferes um suco? É mais saudável. Ó, eu me metendo! Ele disse: – Pode ser. De laranja. O atendente: – Vai comer aqui ou quer que embrulhe? – Já vou comendo, ele respondeu. Agradeceu e sumiu.  

Saí apreciando as vitrines coloridas da Vidal. Meu destino: o Varal da Trajano, a exposição fotográfica que destaca o trabalho dos nossos melhores profissionais sempre no último sábado de cada mês. Naquele dia o destaque era o trabalho do fotógrafo Joaquim Araújo, um apaixonado pela cidade e suas gentes. Como eu.

Quando cheguei o artista conversava com algumas pessoas. Ao redor, homens barulhentos portando máquinas fotográficas pareciam um bando de meninos com seus brinquedos no dia seguinte ao Natal, tal o entusiasmo. Aquilo merecia um registro.

Lindo o trabalho do Joaquim Araújo e que projeto maravilhoso o Varal da Trajano! Excelente ideia essa de reocupar os espaços centrais da Cidade através da Arte.

O Joaquim e eu nos avistamos de longe e caminhamos de braços abertos um em direção ao outro. Um abraço de alegria em dose dupla pelo sucesso da exposição e porque – até que enfim! -, nos encontramos pessoalmente. Bendito seja o Facebook!

Estávamos ali, animados, comentando a exposição e viajando nas fotos quando alguém bateu em meu ombro: – Paga um lanche pra mim, tia? Tô com fome!  Era ele. Eu protestei: – Eu acabei de pagar um lanche pra ti. Muito educadamente ele disse: – Só que não matou a minha fome!

Foi como um soco no peito. – Desculpa. Tens razão. Quem sou eu pra determinar o tamanho da tua fome?  O dinheiro que eu tenho aqui eu vou precisar – olhei em volta – pede pra aqueles moços ali e indiquei o bando de meninos com seus brinquedos.

Aprendi uma preciosa lição: Cada um sabe o tamanho da sua fome.

Obrigada, Luciano.

Sobre o Direito ao Sossego, ao Vazio e ao Silêncio

Um sábado desses, só que ensolarado, na ruazinha que fica perto da minha rua, encontrei o fotógrafo Rudi Bodanese, meu vizinho de cima, que, àquela hora levava sua pinscher, Tiquinha, para passear. – Bom dia! – Bom dia! Aí, levando a fera pra dar uma voltinha? Eu e aquela perguntinha infame. Ele, profundo: – Aproveitando a hora calma do dia. Não tem barulho! Depois fica impossível! Eu concordei, trocamos mais algumas palavras e fomos cada um pro seu lado.

Não saí imune. Também sinto um enorme desconforto com os rumos e os ruídos da nossa cidade. E do mundo. E da vida. Diz o Rudi que, não sei quando, fez um curso de Filosofia onde se discutiu exatamente esse tema, o Silêncio, e que a professora teria dito que todos nós gostamos de usufruir dessa harmonia, dessa sensação agradável proporcionada pelo silêncio, mas que é “na aspereza do convívio que a evolução se faz”.  Tudo bem. Já vivi o suficiente para essa compreensão. O problema está em que o mundo anda pleno de asperezas e carente do contraponto: o sossego, o vazio, o silêncio . Coisas desse mundo empanturrado de gente. E de brutalidade.

Foto: Fátima Barreto
Foto: Fátima Barreto