Foto: Carolina de Assis. Canal da Barra da Lagoa.
Tive a felicidade de ser jovem num tempo em que a cidade ainda era uma pacata província, lá pelos anos setenta, e digo isso ciente de que nem tudo eram flores no passado. A cidade dispunha de poucas livrarias, poucas e acanhadas salas de cinema, os bons filmes demoravam uma infinidade para chegar por aqui, assim como os espetáculos teatrais e os shows. A maioria nem vinha. Os caminhos para as praias eram ruins e o transporte deficitário (pior que hoje), mas a vista compensava (mais que hoje).
É, mas se o deslocamento era uma aventura – o morro da Barra da Lagoa ainda não era asfaltado e era comum o motorista ter que descer de ré se não imprimisse o necessário “embalo” na subida -, chegar à praia era encontrar o Paraíso! Acordávamos cedo para pegar o primeiro ônibus, pois os horários eram restritos. Praticamente amanhecíamos na praia, muitas das casas ainda de janelas cerradas. Alvoroço só o dos pescadores voltando ou partindo para a pescaria e, também, o das gaivotas, agitadas pelo mesmo motivo.
As praias não tinham estrutura. Não havia barracas de milho verde e água de coco, a gente levava o “sanduíche natural” de casa, nem cadeiras para alugar. Não havia banheiro público quanto mais chuveiro; não havia bares da moda e, entre os visitantes, apenas ilustres desconhecidos. Havia alguns restaurantes tocados por nativos, mas não mesada suficiente para frequentá-los.
Naquele tempo não existia protetor solar, só “bronzeador”, alguns produzidos em casa mesmo, verdadeiras bombas caseiras cujas fórmulas passavam literalmente de mão em mão, já que não havia internet, o comportamento de risco justificado pela nossa mais completa ignorância. As estradas para as praias não eram asfaltadas, quanto mais duplicadas, e os raros engarrafamentos nos fariam rir, hoje, de tão modestos. Engarrafamento digno desse nome só o da Ponte Hercílio Luz. Aquele sim!
Na praia, apenas nós, nossas cangas coloridas, os nativos e as gaivotas. Com os olhos extasiados, pousados naquela imensidão de mar e areia, ficávamos na praia até o último horário do ônibus, em geral por volta das 18horas, depois de muito banho de mar e muito vento na cara. E Sol. Muito Sol. Quando eu era jovem, ir à praia significava um prazeroso retorno à simplicidade, à descontração, ao relaxamento.
Hoje as estradas estão asfaltadas e algumas duplicadas. E, desde que o endividamento foi facilitado para agradar a gregos e troianos, a classe C pode ir e vir dirigindo o seu próprio automóvel. Para os “sem carro” tem ônibus em intervalos de 20 minutos e várias linhas à disposição. Hoje, centenas de bares e restaurantes estão a um passo de quem tem um cartão de crédito. Aliás, hoje, as maquininhas também vão à praia. Tudo é mais sofisticado, fica mais perto e é mais acessível. Mas não mais bonito. Nem tão tranqüilo. Nem tão agradável. Ao meu ver.
Nos dias de hoje, ir à praia me parece um programa estressante, frustrante e cansativo dado o rol de obstáculos que o indivíduo tem que superar. Vejamos: 1º- congestionamento monstro na estrada, pois a cidade está com gente saindo pelo ladrão fruto das campanhas patrocinadas pelo governo para promover o tal turismo “qualificado”. 2º – estacionamento lotado ou sua completa inexistência, fruto da falta de visão e competência dos iluminados que… (deixa pra lá!). 3º – o flanelinha, representante de uma categoria profissional só conhecida nessas plagas terceiro mundistas. 4º – conquistar um lugar ao Sol (o que equivale dizer conquistar um lugar na areia). 5º- transpor o mar de gente para chegar à água azul e cristalina. 6º – conquistar uma vaga dentro d’água entre a arrebentação e a linha da cintura (para evitar surpresas). 7º – reencontrar sua “vaga” naquele mar de barracas. 8º – enfrentar a fila no restaurante, etc, etc. 9º – enfrentar um supermegahiper congestionamento na volta para a casa, já que as pessoas vão à praia em horários diversos, mas a maioria costuma retornar no mesmo horário (daqui em diante, deixo a lista por sua conta).
Ir à praia, hoje, equivale a uma ida ao shopping. Não só pelo desarrazoado de gente pendurada no planeta, milhares dos quais passeiam ou moram nessa pequena ilha, mas também pelo frenético comércio que se instala em nossas areias todo santo verão – roupas, óculos, chapéus, refrigerante, água, cerveja, bijouteria, bolsas e relógios falsificados, queijo, castanha, sorvete, batidinha, espumante (nas praias chiques), e tudo mais que a imaginação humana ousar conceber.
Nem pense em abrir um livro para tentar fugir do assédio dos ambulantes. Toda e qualquer atividade intelectual fica prejudicada diante do papo entusiasmado dos vizinhos que ocupam, cada qual, os 0,60 x 0,60 de areia a que têm direito (e reze para não ser flagrado durante as filmagens de um videoclipe do tipo “famoso-da-hora-canta-música-de-quinta-rodeado-de-modelos-e-suas-bundas-balançantes” que agora a Ilha foi escolhida para cenário das festas do mundo).
Mas, já que não dá pra ler, que tal admirar a paisagem, a pessoa pensa. Qual paisagem? Impossível avistar o mar, assim encoberto pela imensidão de barracas e o vaivém de gente. Se, cansado da muvuca, o indivíduo resolve dar um mergulho, corre o risco de dar de cara com um automóvel plantado sobre uma plataforma flutuante no meio do mar. A mensagem é clara: você não é uma pessoa, você não é um indivíduo. Você é um consumidor. Quer descansar fica em casa. É o que eu faço. Praia só no inverno.